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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Porfírio de Tiro - Isagoge

Porfírio retratado no Liber de herbis (s. XIV), de Monfredo de Monte Imperiali

Porfírio de Tiro (Πορφύριος, Porphyrios), Tiro 234 d.C. — Roma 304/309) foi um filósofo neoplatônico conhecido por sua biografia de Plotino e seu papel na edição da obra Eneadas. Porfírio ajudou a popularizar e difundir o neoplatonismo em todo o Império Romano; seu comentário sobre a obra Categorias de Aristóteles, o Isagoge foi traduzido para o latim por Boécio e exerceu grande influência na lógica e na discussão sobre o problema dos universais. (Wikipédia)

Texto: Porfírio de Tiro - Isagoge, introdução às categorias de Aristóteles[1].

Pensando o conhecimento:

Górgias de Leôncio ( séc. V / IV a.c): 1. Nada existe; 2. ainda que existisse, seria inapreensível para o homem; 3. e ainda que apreensível, seria improferível e intraduzível.

Platão (428 / 347 a.C): a relação entre as coisas da natureza e da ciência dos homens (aprendizado pela sensação; pelo julgamento que depende da alma; pela razão, do bom senso. Teeto*); relação entre as coisas e as palavras: 1. imposição dos nomes as coisas (phonai), porque algum legislador criou os sons e as sílabas dos nomes de acordo com a essência e a natureza das coisas; 2. imposição dos nomes pela convenção, porque os homens mudam os nomes das coisas de acordo com o uso (Crátilo*). 

O universal é uma ideia separada ou imanente ao sensível? [Fédon 66a, 77d, 100b; Banquete 211a-b; Parmênides 130b, 133a-c, 135a-b; Timeu 52c-d].

Aristóteles (384 / 322 a.C): Escritos lógicos reunidos no Organon* - cinco tratados sobre as categorias: 1. Interpretação (juízo e preposição); 2. Analíticos anteriores (teoria e propriedades dos silogismos); 3. Analíticos posteriores (teoria da definição e da causa); 4. Tópicos (método de argumentação geral); 5. Elencos sofistas (argumentações capciosas). São aos supremos gêneros que se remetem os termos de qualquer preposição (das coisas ditas = significação + função).

Sexto Empírico (160 / 210 d.C): o exprimível (os significados, os enunciados, a coisa dita) é um Ser depreendido das impressões sensíveis que representa um estado de conhecimento no qual o conteúdo da experiência sensível se traduz em termos de linguagem. É o que subsiste em conformidade com uma representação racional (aquilo que o pensamento pensa).

Porfírio (234 d.C / 309 d.C): procura harmonizar a doutrina lógica de Aristóteles (realidades que se manifestam nas coisas) e a teologia de Platão (gênero e espécie como realidade que se manifestam antes da coisa). Porfírio é linguagem e significação, ponto de vista lógico.

Tomás de Erfurt (~1300 d.C): distinção da palavra, não a coisa que significam, sempre a mesma, mas o modo como significam que é a cada vez outro. Modos de ser coexistem com o ser das coisas ('dor', 'doloroso' e 'ai' coexistem com o ser da dor), são modos de significar em vários que coexistem com um significar invariável (a dor). Modos de significar = diferentes modos de existir. Teoria do signo e da significação (modos de significar) implica na teoria do conhecimento (modos de entender), que implica na teoria ontológica (modos de ser). As coisas existem de modo diferente; esses modos de ser correspondem a novos modos de entender; esses modos de entender correspondem aos modos de significar que permitem as palavras exprimir o que se aprendeu. 

A querela dos universais

1. As categorias dos gêneros e das espécies existem em si como realidades ou só existem no intelecto como conceitos mentais?

2. Se existem em si mesmas como realidade, se manifestam nas coisas (corpóreas, animadas) ou já antes das coisas (incorpóreas, inanimadas);

3. Num e noutro caso, elas se manifestam separadas das coisas sensíveis (supra sensíveis - realismo platônico) ou existem nas coisas sensíveis e delas dependem (realismo aristotélico).

Posições filosóficas

Realista "exagerado": consideram a existência de realidades concretas e singulares; as realidades se manifestam nas coisas, existem por si mesmo;

Realista "moderado": consideram a existência de realidades concretas, mas nelas existe alguma coisa de universal; realidades que coexistem com os conceitos mentais; os modos de ser coexistem com o ser das coisas (Aristóteles, Tomás de Erfurt, Boécio, Tomás de Aquino). Atisthenes: "eu vejo o cavalo, mas não vejo a cavalidade";

Conceitualista/Nominalista: consideram que as categorias sejam conceitos mentais, se manifestam antes das coisas; a universalidade só existe nos nomes, nos signos e símbolos, na linguagem (Platão, Pedro Abelardo, Ockham: "o universal em ato só existe no intelecto").

Linguagem: instrumento de comunicação que concerne ao mundo da experiência.
Lógica: estuda como funciona esta comunicação.

Teoria da percepção à teoria da cognição - As categorias são:
1. Phonai - sons vocais (gramaticais - palavras);
2. Ónta - seres ou entes (ontológicas - pragmáticas);
3. Noémata - noções, objetos do pensamento (lógica - conceituais).


Segundo Aristóteles, os homônimos em sua essência são diferentes, mesmo nome, significados diferentes (cão animal / cão peça de espingarda / cão constelação), portanto equívocos. Já os sinônimos possuem tanto o mesmo nome como o mesmo discurso definidor, portanto, unívocos.

As categorias de Aristóteles são supremas figuras do ser e supremas predicações do ser

Perspectiva Ontológica: as divisões originárias do Ser. As substâncias e os modos de Ser que se referem à substância;

Perspectiva Lógico: as categorias supremas aos quais os termos se referem na preposição (Sujeito e Predicado);

Perspectiva Linguístico/gramatical: estrutura da língua, partes do discurso.

As dez categorias supremas:

1. Substância (οὐσια - homem - substantivo);
2. Quantidade (ποσόν - duas covas - sf numeral);
3. Qualidade (ποιόν - branco - adjetivo);
4. Relação (πρός τι - maior - comparativo);
5. Lugar (ποῦ - no liceu - adv. lugar);
6. Tempo (ποτέ - ontem - adv. tempo);
7. Posição (κεῖσθαι - sentado - adv. modo);
8. Posse/Hábito (ἔχειν - usa sapato - complemento indicativo);
9. Ação (ποιεῖν - lutar - verbo);
10. Efeito/Paixão (πάσχειν - ter sofrido - v. passivo/particípio).


As categorias são supremas figuras do 'ser' (ontológicas) e supremas predicações do 'ser' (figuras lógicas).

A tese de Aristóteles


O universal é um conceito posterior às coisas na ordem do 'ser' (De Anima I, 1, 402b7-8), que se depreende do sensível através de um processo de indutiva abstração: 'chamo de universal o que se predica de muitas coisas'. O universal seria um abstrato, um ente de razão que a mente cria por abstração, fundamentando-se na própria estrutura ontológica do real.

Tipologia ontológica: Categoria X Categorema.

1. Categoria (kategoria - estar em um sujeito - predicado lógico/predicamento): o que se predica ser anunciado como fazendo parte de sua essência. Sócrates caminha;

2. Categorema (kategoroúmenon - ser dito de um sujeito - predicado ontológico): ser atribuído a um sujeito. Sócrates é homem [S é P].

a) Essência (ousia) particular ou primitiva;
b) Essência (ousia) universal que é afirmada de um sujeito sem estar no sujeito (homem comum);
c) acidente universal, que é afirmada ao mesmo tempo de um sujeito e em um sujeito (ex.: este branco);
d) acidente particular, que está em um sujeito sem ser afirmado de um sujeito (ciência: está em um sujeito, na alma, mas não se diz de nenhum sujeito).

Os cincos predicativos/predicáveis: 05 formas de se relacionar com o sujeito. Essência do sujeito (predicado) ou algo que lhe é acrescentado (predicável): Gênero (genos); Espécie (eidos); Diferença Específica (diaphorá); Próprio (ídion) e Acidente (symbebekós).

Gênero, o mais geral, o mais elevado, aquilo do qual não tem nenhum outro gênero superior.

Essência : ousia : substância: é o mais especial, aquilo que não está a outra espécie subordinada. 

Entre eles, outros termos (os acidentes). Da essência que é em si mesmo um gênero, ao mais particular, a espécie especial, ínfima espécie. (corpo -> corpo animado -> animal -> animal racional -> homem -> Platão).

A Árvore de Porfírio




1. Gênero - predicável de várias (o que é?). Principio e geração de cada um (para Aristóteles). Parece conter a multiplicidade das espécies subordinadas. É o que se predica de várias coisas diferindo pela espécie (homem = animal + racional / espécie = gênero + diferença). O próprio se predica de uma só espécie, o gênero se predica de espécies múltiplas e diferentes. O gênero (o que é? - quidade), enquanto diferenças e acidentes respondem ao "como é".

A substância é parte da essência (Da essência que é em si mesma um gênero): aquilo que não pode ser dito do sujeito, mas do qual se afirma outra coisa. No âmbito físico, substrato da mudança, substância primeira, o singular, sujeito individual, o uno; no âmbito linguístico, o sujeito de uma atribuição. 

Para Porfírio, o ser não é um único gênero comum a todas as coisas, de onde procede toda a divisão e tudo contém, nem todas as coisas são de um mesmo gênero em relação a um gênero supremo, como afirmava Aristóteles. Lembrando: Porfírio é linguagem e significação, ponto de vista lógicoO (ὄν) não é o gênero comum das 10 categorias. O ente faz parte dos homônimos (mesmo nome, ónoma, logos diferente, definição diferente); e não dos sinônimos (mesmo nome, ónoma, mesmo logos, mesma definição).

2. Espécie - forma (eidos). Um gênero definido: o homem é uma espécie de animal. O que está sob o gênero definido. Gênero e espécie são relativos, a espécie é o que se ordena sob o gênero. É o que se predica de várias coisas diferindo o número. O indivíduo é contido pela espécie, a espécie é contida pelo gênero. O gênero é uma totalidade, o indivíduo é uma parte, a espécie é todo e parte. O todo, com efeito, está em suas partes.

A espécie, e ainda mais o gênero, conduzem o múltiplo a uma única natureza, ao passo que os particulares e os indivíduos fracionam progressivamente o uno na multiplicidade.

3. Diferença

a) Diferença comum - quando difere de algum modo por qualquer alteridade;
b) Diferença própria (por si, na essência) - difere por diferença específica, inseparáveis, torna o sujeito outro (homem / cavalo). Dividem o gênero e a espécie.
c) Diferença acidental - não estão compreendidas na essência, nem tornam o sujeito outro, apenas outra qualidade.

Para Porfírio, o gênero não possui em si todas as diferenças opostas. Nada então nasce a partir do que não existe; os opostos não pertencem simultaneamente ao mesmo sujeito. Para Aristóteles, o gênero possui em potência todas as diferenças das espécies que lhe são subordinadas, ainda que não possuam qualquer delas em ato.

Analogia ao hilemorfismo aristotélico: matéria X forma = gênero X diferença. Porfírio associa o gênero a aquilo que é unificante, a matéria; e a diferença a aquilo que é fator de divisão, à forma; parece considerar o primeiro uno idêntico ao 'ser' absolutamente indeterminado (matéria indeterminada), e o segundo uno idêntico ao 'ente', primeira determinação.

4. O Próprio - é aquilo que, sem expressar a essência de uma coisa, pertence, todavia, somente a ela e é convertível com ela.

a) o que se dá em uma só espécie (ser médico);
b) o que se dá em mais de uma espécie (ter duas pernas);
c) o que se dá em toda espécie, somente nela e em um determinado momento (cabelos brancos);
d) o que se dá em uma só espécie, todo e sempre (rir).

5. Acidente - é o que pode aparecer e desaparecer sem provocar a destruição do sujeito. Pode ser separável (dormir) ou inseparável (ser negro); pode pertencer ou não a uma mesma coisa; tão somente subsiste num sujeito.

VEJA TAMBÉMBoécio – Segundo comentário à Isagoge de Porfírio.

* Leituras recomendadas:

- Aristóteles: Metafísica;
- ________: Organon;
- Santos, Bento Silva: A imortalidade da alma no Fédon de Platão, coerência e legitimidade do argumento final. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999.
- Junior, Paulo leite: O problema dos universais, a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2001;
- Platão: Teeto (relação entre a natureza e o conhecimento, teoria da percepção);
- _____: Crátilo (relação entre as coisas e as palavras, teoria da cognição);
- _____: Timeu (o demiurgo, a natureza do mundo físico e do mundo eterno);
- _____: Fédon (a imortalidade da alma);
- Reale, G: História da filosofia antiga: A era imperial. São Paulo, Loyola.



[1] Porfírio de Tiro - Isagoge, introdução às categorias de Aristóteles; trad. Bento S. Santos, São Paulo; Attar Editorial, 2002 (95 pg).

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